Comunicação Pública e de Governo

Proposta de criação de um Serviço de Pronto Esclarecimento
Como e quando publicar cartas nos jornais

Por: Bernardo Kucinski , maio de 2003

1. Apresentação

Neste texto, discutimos os princípios que norteiam a interlocução com os jornais através de cartas, e propomos um mecanismo simples e eficaz para dar conta dessa tarefa. Chamamos a esse mecanismo Serviço de Pronto Esclarecimento (SPE). Com este texto estamos atendendo um pedido expresso da Casa Civil e da SID.

2- Não brigar com jornais, mas não deixar mentiras sem resposta

O embate entre governantes e imprensa é desigual porque a mídia sempre tem a última palavra. Basta uma linha na imprensa para destruir uma reputação. Já para desmontar a infâmia, não bastam muitas vezes nem centenas de páginas.
As cartas de governantes aos jornais devem ter como objetivos corrigir um erro de informação ou responder a uma crítica ou infâmia. Erros de informação sempre devem ser corrigidos, mesmo os de pequena importância. Críticas e infâmias só devem ser respondidas se forem baseadas em informações erradas, parciais ou distorcidas.
Críticas nascidas de discordâncias ideológicas ou doutrinarias ou da mera vontade de agredir não devem ser contestadas. Nunca se deve fazer patrulhamento ideológico.
De modo que basicamente as cartas aos jornais devem ser escritas apenas para corrigir erros de informação, tanto os explícitos como os implícitos numa crítica.

3. O jornalista tem o direito ao erro não intencional
As sociedades civilizadas são tolerantes em relação ao erro jornalístico a partir do pressuposto de que para poder informar e denunciar abusos do poder, os jornalistas precisam certa imunidade prévia. Se os jornalistas nunca pudessem errar ou se a punição pelo erro for muito pesada, não teríamos ousadia no jornalismo. Não teríamos uma imprensa livre – apenas uma imprensa bem comportada. Precisamos levar isso em conta, quando reclamamos dos erros dos jornalistas.
O jornalista tem até mesmo o direito de agredir através da ironia, do sarcasmo, da crítica pesada. Isso também faz parte dos requisitos de uma imprensa livre e ousada. Tanto assim, que as leis estabelecem ritos de correção do erro jornalístico que se forem obedecidos, eximem o jornalista de ação criminal. Um deles é o Direito de Resposta, que se aplica quando a pessoa foi mencionada em matéria que contém notícia falsa, mesmo que não tenha havido ofensa ou intenção de prejudicar.
A Constituição assegura (artigo 5) “ o direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem.” E o artigo 29 de Lei de Imprensa estipula que a resposta deve ser publicada em 24 horas e ocupar o mesmo tempo de rádio e TV ou o mesmo espaço e tipologia da matéria impressa em que se deu a ofensiva. Ou seja, o jornalista pode errar e abusar da crítica, mas deve errar o menos possível, tem o dever de corrigir de imediato eventuais erros e não pode atingir a reputação das pessoas. Também a Lei Eleitoral de 1995 determina no inciso III do artigo 66, o Direito de Resposta em 24 horas.
Se a resposta da pessoa ofendida contiver expressões caluniosas, difamatórias ou injuriosas contra o jornalista ou a empresa, essa pessoa perde o direito de resposta. É o que diz o artigo 34 da Lei de imprensa. Ou seja, o jornal pode ofender, mas ao se retratar, publicando a resposta escapa de processo criminal. Já o ofendido pode pedir retratação, mas nunca pode ofender. Não há isonomia de direitos de deveres entre jornalistas e as pessoas (físicas ou jurídicas) objeto da virulência jornalística. Infelizmente é assim. Por isso, nunca se deve brigar com jornais.

4. Os crimes de imprensa: calúnia, injúria e difamação

Até mesmo para os chamados “crimes de imprensa”, a Lei de Imprensa estabelece no artigo 26 que “a retratação ou retificação espontânea, expressa e cabal, feita antes de iniciado o procedimento judicial, excluirá a ação penal contra os responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 20 a 22 “.
O jornalista continua respondendo pelos danos morais e materiais que possa ter causado ( responsabilidade cívil), mas não pode ser processado criminalmente ( art. 49 da Lei de Imprensa).
Os crimes de imprensa são a injúria, a calúnia e a difamação. A Calúnia ocorre quando o jornalista acusa falsamente alguém de ter cometido um crime definido na lei. Por exemplo: roubar.
A Difamação consiste na imputação a alguém de fato ou comportamento que não é um crime capitulado em lei, mas é ofensivo à reputação. Por exemplo: ser alcoólatra. O fato pode até ser verdadeiro, mas se não é de interesse público há o crime de difamação. No entanto, se o fato ou comportamento disser respeito a funcionário público, no exercício de suas funções, a imputação é permitida.
A Injúria é o xingamento, a utilização de expressões ofensivas à dignidade e ao decoro. Por exemplo: chamar alguém de ignorante ou perneta. É um crime dizer ou escrever isso, mesmo que a pessoa seja de fato ignorante ou portadora de uma deficiência física.

5. O que é o Serviço de Pronto Esclarecimento (SPE)
É um mecanismo que faz das respostas aos erros dos jornais uma atividade de rotina das assessorias. Sem um serviço desse tipo, cada necessidade de resposta gera uma grande correria e uma pequena crise interna e muitos erros acabam ficando sem resposta nenhuma.
Além disso, a existência do SPE ajuda a organizar o processo discursivo e argumentativo do setor, garante a qualidade das respostas e impõe um padrão de respeito na relação da autoridade com a imprensa. O SPE contribui para a melhoria da qualidade do jornalismo, que no Brasil se caracteriza pela imprecisão; nesse sentido tem também uma função pedagógica.
Um bom SPE é constituído de três pessoas (usando apenas uma parte pequena de seu tempo, nas primeiras horas da manhã), mas pode ser executado por apenas duas pessoas ou mesmo uma só, acumulando funções, conforme a dimensão da unidade. Mas sempre deve ter também um contato jurídico à disposição para consulta rápida.

Quem são as pessoas do SPE e como funcionam:

a) O coordenador, que pode ser o próprio chefe da assessoria de imprensa, e que tem a função de decidir que criticas ou informações erradas devem ser respondias, como devem ser respondias e por quem devem ser respondidas e/ou assinadas; responde ele mesmo as mais delicadas.
b) Redator ou assessor de imprensa, que tem a função de localizar e marcar no clipping diário do setor as referências criticas e/ou negativas ou informações incorretas e levá-las ao coordenador para receber as instruções; deve escrever a maioria das respostas em consulta com as partes afetadas, ajudar terceiros a escreverem a reposta quando for o caso, fazer as pesquisas necessárias, implementar o que foi decidido.
c) Secretario(a) Tem a função de enviar as respostas, e montar o arquivo da memória das relações epistolares com cada veículo;
d) Contato jurídico, deve ser familiarizado com a Lei de imprensa e seu papel é aconselhar a partir do momento em que o jornal revela má-fé ou atitude maliciosa, recusando-se a corrigir as informações erradas ou se retratar das calúnias, injúrias e/ou difamações; orienta na redação das cartas que invocam o Direito de Reposta

6- O SPE como operação pedagógica
Para responder aos jornais no tom adequado, basta lembrar que o SPE se vale das etapas e recursos da pedagogia, desde o ensinar até o punir. Assim, a primeira resposta ao jornal deve mostrar e corrigir o erro , fornecendo mais informações, aproveitando a ocasião para ensinar.
Apenas se for detectada malicia, relutância, ou intenção de difamar, deve ser invocado Direito de Resposta e adotado um tom mais formal de repreensão;
Se nem o Direito de Reposta for atendido, ou se for atendido de modo insatisfatório, deve-se ir para a punição, acionando a Lei, com a ajuda da consultoria jurídica;
Em todos os casos, o tom deve ser educado. Em todos os casos, manter a memória dessas relações, arquivando e classificando as cartas com as matérias respectivas.

7- As 13 regras para favorecer a publicação dos esclarecimentos

Use linguagem educada dando sempre ao jornalista o benefício da dúvida e a chance de se corrigir: diga “o repórter deve ter se equivocado”, em vez de “ o repórter distorceu os fatos.”
Se, apesar do erro a ser corrigido, a matéria possui aspectos positivos, mesmo que seja apenas pela oportunidade da discussão por ela aberta, não hesite em elogiar. Em abrir a resposta, por exemplo, dizendo que “a reportagem foi muito oportuna, porém….”
Dirija sua carta ao Diretor do Jornal, com cópias ao ombudsman, se for o caso, ao editor da seção de cartas e ao jornalista autor da matéria;
Atribua ao jornal a devida importância, referindo-se à sua influência, circulação, tradição ou prestígio;
Quanto mais curta a carta, maior a probabilidade de ser publicada sem cortes;